Hoje é dia: 20 de setembro, 2024

Economista diz que terceirização será retrocesso para o trabalhador

Em época de instabilidade econômica, com a população fazendo malabarismos para honrar suas contas, tentar manter o emprego, e, ainda, deglutir possíveis futuras mudanças com a aprovação da terceirização, entrevistamos o economista José Áureo Mendes Torres. Nesta entrevista ele  fala sobre o impacto deste cenário econômico sobre os empregos, dá dicas sobre o perfil desejável de um candidato, explica que a terceirização beneficia apenas os empresários e como o valor do dólar influencia diretamente em nossa economia.

CORREIO PERGUNTA  – Qual sua avaliação do cenário econômico atual?

JOSÉ ÁUREO MENDES TORRES – Fica evidente que a situação econômica, às vezes, é causada por fatores externos – como a crise internacional, que atinge o Brasil –, mas desta vez a corrupção e suas mazelas conseguiram nos atingir. E esta crise é só nossa, ela não é uma crise internacional. Há uma desaceleração da economia mundial, mas não como a do Brasil. A economia tem ferramentas  que servem para acelerar e para frear. O uso político destas ferramentas foi intensamente utilizado de forma que acarretou num descontrole do orçamento, das contas nacionais e foi preciso apertar o freio de mão da economia para colocar as coisas novamente no lugar . E como é uma crise nacional, ela tem impactos por aqui (MS) também, como nos grandes bancos , financiamentos, na demanda das famílias…. Por exemplo, este aumento dos preços regulados  pelo poder público, como a água, gás, energia elétrica, todos estes setores regulados aumentaram demasiadamente, e as famílias, que vinham num consumo acelerado, tiveram que fazer uma adequação. Então, restringindo o consumo das famílias vai impactar na produção, no comércio, nos serviços, justamente para se entrar no eixo – e acaba impactando todo mundo. E o Estado vai perder receitas e repasses nacionais, também cai o consumo, por consequência cai a receita do Estado, o ICMS de maneira sistemática. É a roda da virtude ao contrário, você dá marcha a ré na roda do desenvolvimento.

Os números do Caged mostram a sequência de recordes negativos na criação de empregos em  Mato Grosso do Sul, que terminou o primeiro trimestre de 2015 com saldo de 718 novos postos de trabalho. A que o senhor atribui este cenário de estagnação?

É claro que a este cenário econômico, porque o empresário leva isso muito em consideração. Ele não fará um grande investimento, se endividar para fazer investimento com lucro pós subsistência. Ele sempre busca uma lucratividade alta para que fomente seu negócio, que dê margem a ele. Mas neste momento, o empresário evita fazer compromissos de longo prazo e isso impacta diretamente na geração de empregos. Por exemplo, uma empresa que tenha 20 funcionários. O empresário faz um agendamento de seus custos gerais, tentando manter um grupo mínimo de funcionários para a coisa continuar funcionando. E tudo isso vai impactando, gera impacto na economia. É fundamental que o empresário tenha entusiasmo para que ele possa fazer investimento com tranquilidade. Mas o mercado apresentando estas nuvens, não o deixa muito tranquilo para fazê-lo.

Diante das incertezas econômicas o empresariado sacrifica primeiro o investimento em novas vagas?

Sim, sem dúvida. Na verdade, não há  demanda e o que regula é ela. Se a equipe do empresário está plenamente ocupada, sem capacidade ociosa, ele percebe a necessidade de novas contratações. Mas se ele percebe que aquele time de colaboradores está dando conta e está ocioso, aí é uma questão de saúde financeira, ele terá que frear a contratação ou, às vezes, até demitir. Portanto, é neste momento que as empresas devem pensar em manter as portas abertas, fazer a travessia deste período. Às vezes não é um período bom para ganhar dinheiro, mas também não pode se endividar, mas manter seu negócio com lucro mínimo para mantê-lo aberto, até que chegue novamente o momento para que o empresário tenha
aquele lucro almejado, extraordinário.

Quais dicas o senhor daria para que um desempregado veja uma luz no fim do túnel mesmo em épocas como a que vivemos agora?

O trabalhador deve, sempre, buscar qualificação, ter interesse pelo trabalho, se manter proativo, tentar colaborar ao máximo com a empresa, demonstrando interesse pelo que ele faz, pelo seu trabalho, e estar sempre disponível. As três causas de rejeição de novas contratações no trabalho, hoje, são a falta de experiência, a falta de qualificação e a rotatividade no serviço. Então, uma pessoa que fica pouco tempo no trabalho, o pessoal do Recursos Humanos vai inferir que ele é uma pessoa que  trabalha pouco, tem baixo compromisso e tem alta rotatividade.

E quais os segmentos mais atingidos nesta época?

A construção civil, sem dúvida, é muito atingida. Por exemplo, temos a parte pública, que são  grandes financiamentos, próximo de campanhas eleitorais se fazem grandes projetos e pós eleições estes projetos se encerram. E aí se tem a renovação dos novos projetos. Mas neste caso não houve. Nós tivemos o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no Estado todo em grande número. Então, foram concluídos estes PACs, e não surgiram outros projetos do mesmo tamanho e isso impactou bastante. O investimento privado também deu uma acalmada;  existem os particulares que compram apartamentos para depois vender, estes também enfrentam dificuldades. O comércio também foi atingido, mas na receita. Porém, ele se mantém aberto e procura manter um quadro mínimo de funcionários. No caso da construção civil, o canteiro de obras se fecha e acabou. O caso de Três Lagoas serve como exemplo. Além da construção direta do empreendimento, havia a expectativa de pessoas particulares da cidade fazendo investimentos para alugar edificações.  Eles pensavam:  “ao terminar a grande obra virão pessoas para trabalhar na indústria”. E o investidor começou a construir casas para alugar, por exemplo. E agora estão no meio do caminho, está tudo paralisado, sem grandes perspectivas.

A terceirização é o assunto do dia. O senhor acredita que ela beneficiará quem?

Olhe, o único beneficiário destas terceirizações, vejo que seriam os empresários, que vão contratar as empresas terceirizadas e que terão redução nos custos. E junto com eles as novas empresas terceirizadas que surgirão. Para o trabalhador a terceirização será um retrocesso imenso. Eu tenho acompanhado as matérias pelos jornais e percebo que o mundo caminha em direção contrária, os empresários estão qualificando seus trabalhadores, alguns até mimando, pagando 14º, 15º salários. O mundo está promovendo os trabalhadores, está de olho na meritocracia, dando oportunidade a todos de crescer. Um caso muito rotineiro e comum é você ver aquele funcionário que entrou numa empresa como office-boy, depois virou auxiliar administrativo, gerente e foi para a diretoria. Quer dizer, a empresa formou, dando trabalho, orientação e experiência para ele.  Esta questão de formar a pessoa trabalhando vai acabar com a terceirização. Então, eu vejo como um grande retrocesso. Eu não tenho nada contra o lucro, eu acho ele legítimo, mas a empresa contratada, a terceirizada, fará uma oferta para a empresa contratante, dizendo “quanto você gasta com a sua folha de pagamento, com salários mais encargos sociais?”. Quer dizer, ela fará um abatimento nesta folha para que o empresário a contrate e, para ela também ter lucro, terá que diminuir muito o salário dos trabalhadores para que consiga, entre aspas, um ganho para justificar sua existência. Nós poderemos chegar ao caso de ter empresas que não terão nenhum empregado contratado, tudo terceirizado. E isso é contra a nossa economia. A função do lucro não é apenas o lucro pelo lucro. Ele é legítimo, mas a empresa que se instala num local desenvolve aquela região, ela emprega e qualifica pessoas daquele lugar. Veja só uma região onde se instala uma empresa, onde o Estado doa o terreno, abre mão da arrecadação de impostos para que aquela empresa se instale numa área de deficiência social, por exemplo. O Estado quer a contrapartida de a empresa contratar as pessoas da região, dar treinamento, fazer a pessoa viver o dia a dia da empresa, fazê-la criar laços, raízes ali. Tudo isso desenvolve o comércio local. E tudo isso vai se perder. O que ocorrerá é que uma empresa vai se instalar, não vai contratar ninguém, lançará mão de uma terceirizada. Os dois únicos beneficiados serão os empresários em questão: o dono da empresa e da terceirizada. E eu li também sobre este assunto que “iria aumentar o número de empregos”. Não vai crescer, vai ser transferido. Um exemplo: uma empresa com 100 funcionários vai demitir todos e a terceirizada irá contratá-los com salário menor. Houve uma transferência com uma folha de pagamento menor. E isso, na hora, vai impactar no consumo das famílias

O senhor acha que o nosso modelo de seguro-desemprego está ultrapassado?

Penso que ele tem falhas, que pode ser melhorado. Nós sabemos que há trabalhadores que fazem de tudo para serem mandados embora para usufruir do seguro-desemprego, mas não se pode generalizar, isso é algo mínimo que acontece, não representa os demais trabalhadores que querem trabalhar seriamente e que são muitos. Acho injusto classificar assim todos os trabalhadores , colocá-los na mesma cesta.  Penso que o seguro-desemprego brasileiro pode ser melhorado, criar artérias que dificultem burlar.

O senhor diria que o cenário para estagiários está mais aquecido do que para empregados contratados?

São coisas diferentes. E o cenário para o estagiário está bom, acho muito importante colocar o jovem diretamente trabalhando  no que ele vai atuar, isso o motiva. Ele vivencia na prática aquele entusiasmo e muitos deles acabam crescendo, ficando dentro da empresa.   E o estagiário não tira a vaga do trabalhador formal.

Nós tivemos uma baixa no dólar nesta semana. Isso espelha alguma alteração significativa  no cenário econômico?

Mas esta baixa foi mínima e, em minha opinião, não gera grandes impactos.  Agora, o que preocupa no dólar é a economia americana, que estava com juros zero para incentivar o investidor americano  a não depositar dinheiro, mas retirá-lo para fazer investimentos. Então, a economia americana começou a dar sinais de aquecimento. E se isso ocorre, pode levar à inflação e aí os bancos elevarão as taxas de juros para controlar a inflação. Acontece que a taxa de juros americana vale para o mundo todo. Então, na verdade, nossa taxa de juros é estipulada baseada na americana. Se lá sobe, aqui sobe mais, pelo risco.

Para encerrar, este é um ano mesmo  de cautela financeira?

Sim, a dica é não fazer contas de longo prazo, financiamentos longos, principalmente se for de coisas supérfluas.  É preciso colocar na rotina familiar a planilha registrando os gastos. É um tempo de procurar poupar ou, pelo menos, não se  endividar.

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